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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CONSTITUIÇÃO conforme o STF

 Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em
consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal
Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome
internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado,
de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como
legisladores e constituintes, e não como julgadores.


À luz da denominada "interpretação conforme", estão conformando a
Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o
povo desenhou por meio de seus representantes.


Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e
mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o
relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses
Guimarães.


Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de
adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei
ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime
parlamentar italiano, foi adotada.


Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se
transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez
declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o
descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar
prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse.


Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar.


Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o
constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do
Executivo que ferisse sua competência.


No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se
seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo
-entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus
descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os
próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam
que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação,
como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.


Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas,
decididamente, sua união não era -para os constituintes- uma família.


Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França,
em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se
desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar
sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher,
capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas
mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade
familiar.


Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o
Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um
homem só-, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e
tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para
legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da
totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão
representadas.


Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os
magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho
professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a
democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais
importante do que ser politicamente correto.


Sinto-me como o personagem de Eça, em "A Ilustre Casa de Ramires",
quando perdeu as graças do monarca: "Prefiro estar bem com Deus e a
minha consciência, embora mal com o rei e com o reino".

Ives Gandra da Silva Martins

Um comentário:

  1. Olá, boa tarde!

    Gostaria do contato da pessoa responsável pelo blog, para fazer uma publicação de um livro sobre segurança, mando o material para vocês e vocês analisam, estou aguardando o contato.

    Obrigada,
    Ana Paula
    anapaula@brasiliano.com.br

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