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terça-feira, 23 de julho de 2013


Vladimir Aras

A lavratura de TCO pela PRF e pela PM

Segundo a lei, a autoridade policial que tomar conhecimento da IPMPO deverá lavrar o TCO
23/07/2013 06:50
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Por Vladimir Aras
O termo circunstanciado de ocorrência (TCO) é uma espécie de investigação criminal sumariíssima, destinada à apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo (IPMPO).

As infrações penais de menor potencial ofensivo englobam os crimes de pena máxima não superior a dois anos e todas as contravenções penais (art. 61 da Lei 9.099/95). Em relação a tais infrações não se impõe em regra a prisão em flagrante, se o autor da conduta (chamado de “autor do fato”) se comprometer a comparecer à audiência nos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), fora competente para o julgamento destas espécies delitivas.

Segundo a lei, a autoridade policial que tomar conhecimento da IPMPO deverá lavrar o TCO. Quem é a autoridade policial, no sentido da Lei 9.099/95? Só os delegados de polícia ou também outros agentes policiais?

A questão não é nova. Interpretando o art. 69 da Lei 9.099/95, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, já em 1997, lecionavam:

Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados (art. 144, § 1º, in. IV, e § 4º), mas também a polícia militar. O legislador não quis – nem poderia – privar as polícias federal e civil das funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Mas essa atribuição – que só é privativa para a polícia federal, como se vê pelo confronto entre o inc. IV do § 1º do art. 144 e seu § 4º – não impede que qualquer outra autoridade policial, ao ter conhecimento do fato, tome as providências indicadas no dispositivo, até porque o inquérito policial é expressamente dispensado nesses casos (v. comentário ao § 1º do art. 77). (…) Exatamente neste sentido, a Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, encarregada de formular as primeiras conclusões sobre a interpretação da lei (v. n. 13 das considerações introdutórias à Seção), apresentou a seguinte: Nona conclusão: ‘A expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo.” (GRINOVER, Ada P. et. all. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995, 3ª ed., RT, 1997).

O TCO foi criado pela Lei 9.099/1995 para simplificar a burocracia policial e acelerar a apuração dessas infrações de menor complexidade, que são julgadas pelos Juizados Especiais Criminais (JECRIM).

O problema está em saber a quem compete lavrar esses tais TCOs. Delegados de Polícia insistem em que a atribuição é sua exclusivamente. Policiais de outras corporações, como a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), sustentam que também detêm esta competência administrativa.

Os Ministérios Públicos dos Estados têm formalizado convênios com a PRF para que esta corporação lavre os termos para registrar IPMPO nas rodovias federais, tal como lavra boletins de ocorrência sobre furtos, roubos, receptação, homicídio e lesões corporais etc.

O TCO não é nada mais do que um boletim de ocorrência mais robusto, por isto chamado de “circunstanciado”. Em regra, a Polícia Militar e a PRF sempre produziram seus próprios boletins, dos quais constam informações importantes sobre a autoria, a materialidade do delito e suas circunstâncias. A lavratura dos TCO difere muito pouco disto.

Não há qualquer inconstitucionalidade na lavratura de TCOs pela PM ou pela PRF, pois a Constituição não assegura exclusividade para o registro da ocorrência de crimes. Quando lavram os termos (TCO), policiais militares e patrulheiros rodoviários não estão investigando crimes, mas apenas registrando fatos, em exercício de atividade administrativa que lhes é própria. Registrar um não é o mesmo que investigar crimes.

Por isto mesmo, é desnecessária formação jurídica para a lavratura desses boletins. Não fosse assim os escrivães das delegacias de Polícia deveriam ser bachareis em Direito e os membros de comissões de sindicância e de processo administrativo também deveriam ter formação jurídica. Não há – nem deve haver – apego ao bacharelismo na atividade policial. A Polícia não é um feudo dos juristas.

Aliás, os Juizados Especiais – onde se inserem o TCO – tampouco o são, na medida em que juízes leigos (art. 7º) podem neles atuar, como também conciliadores, que só “preferentemente” são recrutados entre os bacharéis em Direito (art. 73, único). Se nem na fase judicial há o império dos bacharéis, por que se proibiria a simples lavratura de TCOs por policiais-não-delegados?

Conforme o art. 69 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) e o parágrafo único do art. 173 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), assim como do art. 144, §2º, da Constituição Federal, a PRF pode lavrar tais termos (TCO) e boletins (BCO), para apuração de IPMPO e registro de atos infracionais, condutas estas praticáveis por adolescentes infratores. Observe:

Lei dos Juizados Especiais Criminais
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:

I – lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;
II – apreender o produto e os instrumentos da infração;
III – requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.

Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.

A expressão “autoridade policial”, que consta do artigo 69 da Lei 9.099/95, refere-se a qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia, englobando a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, a Força Nacional de Segurança Pública e as
Polícias do Poder Legislativo e também as guardas municipais.

A expressão “autoridade policial” não é mais sinônima de “delegado de Polícia”. Tanto é assim que nas últimas leis criminais aprovadas pelo Congresso Nacional, a categoria tem insistido em redações em que a expressão “autoridade policial” é substituída por outra, esta sim singular: “delegados de polícia de carreira“. Foi isto o que ocorreu na Lei 12.830/2013 e também no PLS 150/2006 (Nova Lei do Crime Organizado), já aprovada nas duas casas do Poder Legislativo, mas – na data que escrevo – ainda não sancionada.

Perceba-se que nas hipóteses de TCO e BCO, não ocorre qualquer restrição ao direito de liberdade do autor do fato, porque, não havendo prisão ou apreensão em flagrante como regra, a PRF ou a PM não realizarão condução alguma.

Lembremos que o inquérito policial – e, consequentemente o TCO – é dispensável para o Ministério Público.

A ação penal ou o procedimento criminal pode iniciar-se sem o IPL e também sem o TCO. Diz o art. 39, §5º, do CPP:
§5º. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.
O art. 77, §1º da Lei 9.099/95 repete a consagrado princípio da dispensabilidade do inquérito policial, ao estatuir que:
§ 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.

Ademais, os procedimentos dos Juizados Especiais são marcados pelos princípios da celeridade, da informalidade e economia processual (art. 62 da Lei 9.099/95), que recomendam a simplificação das formas e aceleração dos ritos, desde a fase preliminar.

Além da inexistência de óbice legal à lavratura desses boletins ou termos pelas polícias de segurança pública, há duas razões de ordem prática para que isto ocorra.

Em primeiro lugar, a lavratura imediata do termo reduz enormemente o tempo de retenção do cidadão que cometeu uma IPMPO. Imagine que o fato tenha ocorrido em trecho de rodovia federal, situado a 50 km da cidade mais próxima. Se somente a Polícia Civil ou a Polícia Federal pudessem lavrar o TCO, o cidadão em questão teria de ser conduzido até a delegacia dessa cidade, para aí preparar-se o termo, com toda a perda de tempo e recursos que esta condução compulsória reclamaria.

Por outro lado, enquanto a PRF fosse conduzir esse mesmo cidadão à Delegacia, quem policiaria a rodovia? O trecho rodoviário onde o fato ocorreu ficaria desguarnecido, em função do deslocamento da viatura policial para o preenchimento do TCO ou do BCO na delegacia da Polícia mais próxima.

Obviamente, esta rotina não atenderia ao interesse público, nem cumpriria o dever de eficiência (art. 37, CF) que deve reger o agir da Administração Pública e complicaria ainda mais a vida do cidadão, que se verá interceptado na rodovia e depois desviado de sua rota, meramente para uma atividade burocrática de registro de fatos.

Ademais, com o uso das novas tecnologias da informação, guarnições policiais podem ter acesso a toda a base de dados criminais do Infoseg e a sistemas informáticos semelhantes, sendo capazes ainda de lavrar esses termos rapidamente, para também celeremente liberar o autor do fato.
Diga-se ainda que, conforme o artigo 1º, incisos I, II, V, IX e X, do Decreto 1.655/1995, compete à Polícia Rodoviária Federal:
I – realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, a incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;
II – exercer os poderes de autoridade de polícia de trânsito, cumprindo e fazendo cumprir a legislação e demais normas pertinentes, inspecionar e fiscalizar o trânsito, assim como efetuar convênios específicos com outras organizações similares;
V – realizar perícias, levantamentos de locais, boletins de ocorrências, investigações, testes de dosagem alcoólica e outros procedimentos estabelecidos em leis e regulamentos, imprescindíveis à elucidação dos acidentes de trânsito;
IX – efetuar a fiscalização e o controle do tráfico de menores nas rodovias federais, adotando as providências cabíveis contidas na Lei n° 8.069 de 13 junho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
X – colaborar e atuar na prevenção e repressão aos crimes contra a vida, os costumes, o patrimônio, a ecologia, o meio ambiente, os furtos e roubos de veículos e bens, o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o contrabando, o descaminho e os demais crimes previstos em leis.
O Decreto 1.655/1995 foi atacado mediante a ADIN 1413/DF, mas em 1996 o STF negou a cautelar, mantendo sua eficácia.
Este decreto relaciona-se com a Lei 9.654/1998, que cria a carreira de PRF. Segundo o art. 2º-A, §1º, inciso IV, dessa Lei, competem ao policial rodoviário federal “atividades de natureza policial envolvendo a fiscalização, patrulhamento e policiamento ostensivo, atendimento e socorro às vítimas de acidentes rodoviários e demais atribuições relacionadas com a área operacional do Departamento de Polícia Rodoviária Federal”.
Partindo dessas premissas, Damásio de Jesus ensina:
[...] como as autoridade policiais, na linguagem da Lei, só têm o encargo de elaborar o registro da ocorrência, nada impede que tal atribuição seja desempenhada por qualquer agente encarregado da função policial, preventiva ou repressiva. O policial militar, ao tomar conhecimento da prática de uma contravenção penal ou de um crime de menor potencial ofensivo, poderá registrar a ocorrência de modo detalhado, com a indicação e qualificação das testemunhas, e conduzir o suspeito diretamente ao Juizado Especial Criminal. […]” (JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Anotada, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1997).
Esta também é a lição de Cezar Bittencourt:
“As polícias rodoviárias – federal e estadual -, cuja função constitucional é exercer o ‘patrulhamento ostensivo das rodovias’, eventualmente poderão deparar-se com infrações penais. Ora, nessas hipóteses, quando se tratar de infrações de menor potencial ofensivo, os próprios patrulheiros rodoviários poderão e deverão lavrar o termo circunstanciado, liberando os motoristas que assumirem o compromisso de comparecer ao Juizado Especial quando chamados. Igualmente aqui a justificativa encontra-se na excepcionalidade da situação. Constituiria constrangimento ilegal a retenção (que é normalmente prisão), à espera da autoridade civil para lavrar termo circunstanciado. Pior ainda, mais constrangedora, seria a condução dessas pessoas, como em alguns casos tem acontecido, à delegacia mais próxima para a lavratura do termo circunstanciado.” (BITTENCOURT, Cezar R. Juizados Especiais Criminais Federais: análise comparativa das Leis 9.099/95 e 10.259/2001, 2. ed., São Paulo, 2005).
O Enunciado 34 do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, aprovado em 2002, não deixa dúvidas: “Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar”.
O tema também foi enfrentado pelo STF em obter dictum, quando, em 2008, a Corte julgou a ADI 2862/SP e não a conheceu. Em seu voto, o ministro Cézar Peluso, agora aposentado, asseverou quanto ao Provimento n. 758/2001 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que:
“é fora de dúvida que o ato regulamentar, aí, nada introduz de novo na ordem jurídica, mas se destina explicitamente a regulamentar a atividade da autoridade policial, tal como previsto no artigo 69 da Lei n. 9.099/95. [...] Ademais e a despeito de tudo, ainda que, para argumentar, se pudesse ultrapassar o plano de estrita legalidade, não veria inconstitucionalidade alguma, uma vez que, na verdade, não se trata de ato de polícia judiciária, mas de ato típico de polícia ostensiva e de prevenção da ordem pública – de que trata o § 5º do art. 144 -, atos típicos da competência própria da polícia militar, e que está em lavrar boletim de ocorrência, e, em caso de flagrante, encaminhar o autor e às vítimas à autoridade, seja policial, quando seja o caso, seja judiciária, quando a lei o prevê. [...] Esse provimento não cria competência alguma da polícia militar, senão que explicita o que a polícia militar faz costumeiramente e tem de fazê-lo dentro da sua atribuição.” (STF, ADI 2862/SP, voto do min. Cézar Peluso, rel. min. Cármen Lúcia, j. em 26.03.2008).

O acórdão ficou assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS QUE ATRIBUEM À POLÍCIA MILITAR A POSSIBILIDADE DE ELABORAR TERMOS CIRCUNSTANCIADOS. PROVIMENTO 758/2001, CONSOLIDADO PELO PROVIMENTO N. 806/2003, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, E RESOLUÇÃO SSP N. 403/2001, PRORROGADA PELAS RESOLUÇÕES SSP NS. 517/2002, 177/2003, 196/2003, 264/2003 E 292/2003, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATOS NORMATIVOS SECUNDÁRIOS. AÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. Os atos normativos impugnados são secundários e prestam-se a interpretar a norma contida no art. 69 da Lei n. 9.099/1995: inconstitucionalidade indireta. 2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacífica quanto à impossibilidade de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo secundário. Precedentes. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida. (STF, ADI 2862/SP, rel. min. Cármen Lúcia, j. em 26.03.2008).
Em sentido contrário ao que acima defendemos, no STF, há apenas a decisão monocrática do ministro Luiz Fux, que, em 2012, negou seguimento ao RE 70.617/AM, interposto contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que declarou inconstitucional o art. 3º, inciso VIII, da Lei Estadual 3.514/2010, porque a lavratura de TCO pela Polícia Militar representaria usurpação de competência da Polícia Civil. Dizia a lei amazonense:
Art. 3.° Compete à Polícia Militar do Amazonas no âmbito de sua respectiva jurisdição:
VIII – confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, nos termos da lei federal;
Entretanto, nesse RE o colegiado do STF não se debruçou sobre a tese jurídica. O relator limitou-se a negar seguimento ao recurso extraordinário que atacava a decisão do tribunal do Amazonas.
Por outro lado, o art. 2º, §1º, da Lei 12.830/2013 – que dispõe sobre a “investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia” não impede que policiais militares e policiais rodoviários federais continuem a lavrar os termos circunstanciados. Tal parágrafo diz que “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei“. Já vimos acima que a lavratura de TCO é ato de mero registro administrativo de um fato, e não um procedimento de investigação criminal. Nas polícias judiciárias o registro de infrações penais é feito por escrivães ou por servidores de atribuições similares.
Ademais, a Lei 12.830/2013 não conferiu exclusividade aos delegados de polícia na investigação criminal, pretensão inescondível da PEC 37, que foi rejeitada pela Câmara dos Deputados em junho de 2013. Tanto é assim que, na mensagem de veto parcial ao projeto que se converteu na Lei 12.830/2013, a Presidência da República deixou claro que “Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal”. Fica claro, portanto, que as atribuições de persecução criminal dos órgãos distintos da Polícia Judiciária foram preservadas, sendo exercidas concorrentemente, como sempre foi, consoante se percebe da leitura do art. 4º do CPP:
Parágrafo único.  A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Enfim, qualquer autoridade policial, seja das polícias judiciárias ou das polícias de segurança pública, pode lavrar termos circunstanciados de ocorrência policial (TCO) ou boletins circunstanciados (BCO), para posterior encaminhamento aos Juizados Especiais Criminais federais, distritais ou estaduais, ou ainda à Vara da Infância e da Juventude. Lá, caberá ao Ministério Público (art. 129, I, CF) ou ao querelante adequar ou readequar a classificação jurídica provisória dada ao fato, para apreciação pelo Judiciário, na transação penal, na denúncia ou na queixa-crime, ou na representação sócio-educativa por ato infracional.
O cidadão surpreendido na prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo tem direito de ser autuado no próprio local do fato e imediatamente liberado pela autoridade policial que primeiro tomar conhecimento da ocorrência.

A Lei 9.099/95 é descarcerizante e desburocratizante. A lavratura de TCOs não é uma exclusividade dos juristas. Vamos simplificar, e não complicar.
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quinta-feira, 11 de julho de 2013

As mil e uma mortes

Com a palavra...


Dando continuidade aos estudos iniciados há três anos, na última terça-feira (9) o jornal Correio da Bahia, divulgou os resultados das análises efetuadas à respeito dos homicídios na capital baiana e na Região Metropolitana de Salvador, a partir dos boletins divulgados pela SSP, tomando como base os 1000 primeiros homicídios ocorridos em 2013.
Embora o emprego do número mil como referência possa transmitir a sensação de algo concluído, totalmente encerrado, com certeza, esta nunca foi a intenção do órgão de comunicação social em questão, tanto assim que, neste ano, a 1.000ª morte veio acompanhada da 1.001ª.
Nessa lógica, por conta de um duplo assassinato ocorrido em Dias D`Ávila, enquanto a Nigéria enfrentava o Uruguai na Arena Fonte Nova e manifestantes enfrentavam a Polícia Militar, nos protestos que tomaram conta das ruas de todo o Brasil, o destino fatídico de um menor de 13 anos e uma mulher de identidade ignorada, se encarregou de nos mostrar, mais uma vez, que as histórias dos assassinatos ocorridos em Salvador e Região Metropolitana (RMS), estão muito longe de nos passar a sensação de algo concluído, totalmente encerrado.
Os documentos informam, as vozes evocam e os números falam. Assim, refletindo sobre o enigma que representa essa 1.001ª vitima, lembrei-me das Mil e Uma Noites e da paródia nefasta que pode ser escrita pelo nosso cotidiano de mil e uma mortes.
Infelizmente, como toda paródia, as nossas histórias de dias sempre iguais, também deformam, imitam e não transcrevem o enredo original. Assim, enquanto nas “Mil e Uma Noites” as histórias são organizadas de tal forma que cada uma delas é concluída com um elo que a liga à narrativa seguinte, envolvendo o leitor em uma teia sem fim até que o suspense que paira no ar se esgote, nas “Mil e Uma Mortes” há sempre uma solução de continuidade, embora, haja certa semelhança sobre quem será a próxima vítima.
Mesmo que uns não queiram, a verdade é que o nosso sistema de investigação é lento e ruim, pois, segundo Luiz Antônio Machado, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, no Brasil, a cada dez homicídios, apenas dois são esclarecidos.
Com índices tão baixos de elucidação criminal, não há como se afirmar do que decorre a maior parte dos homicídios registrados no Brasil e, particularmente, na Bahia, principalmente porque, entre nós, quando um homicídio não é esclarecido, de logo se pode colher a conclusão de que se o crime não decorre de uma relação interpessoal entre vítima e homicida, a culpa sempre, de forma simplista, é da demonizada droga, do narcotráfico, parecendo não ser importante saber quem mandou e quem puxou o gatilho.
E é exatamente isso que a cúpula da comunidade policial civil baiana, mais uma vez, acaba de fazer, confirmando o trágico enredo das nossas mil e uma mortes, através de um estudo divulgado na segunda-feira (8), afirmando que 69% dos casos de homicídios com motivação já identificada ocorridos em Salvador no primeiro trimestre do ano têm como autores e vítimas pessoas envolvidas com o tráfico de drogas.
Sabe-se que o crescimento vertiginoso no número de homicídios, no nosso país, é influenciado diretamente por dois fatores principais: a impunidade e a facilidade ao acesso a armas de fogo. Mas, não há dúvidas de que a falta de solução de crimes é a maior causa da impunidade e esta é a maior incentivadora da crescente e assustadora criminalidade em que estamos envoltos, principalmente quanto aos assassinatos.
Assim, é lógica a conclusão de que a solução dos homicídios é fator primordial para se entender o fenômeno da violência no país. No mundo das fábulas, Sherazade só escapou da morte porque conhecia o assassino, as circunstâncias em que o crime seria cometido e quem seria a próxima vítima. No mundo real, sem conhecer o assassino, as condições do crime e, em muitos casos, nem mesmo a identidade dos mortos, qualquer história que se queira traçar para explicar as mil e uma mortes, não nos livrarão da ameaça de sermos a próxima vítima.
Para finalizar, resta-nos refletir sobre o que as Mil e Uma Noites ensinaram ao mundo. Assim, já que a vida imita a arte, lembrei-me do filósofo francês Michel Foucault,  pois Sherazade,  nas fábulas árabes, e cada um  de nós, individualmente, na crua realidade baiana, vive “o esforço de noite após noite para conseguir manter a morte fora do ciclo da existência”.
E, com isso, chegamos ao problema, digamos, árabe: as mil e uma mortes sem solução admitem interpretações infinitamente variadas. E dependendo do especialista que trate do assunto, há variedades de perspectivas que tendem a privilegiar o seu enfoque particular. Seja como for, há uma multiplicidade de ângulos, que vão até o infinito, como nas Mil e Uma Noites.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Segurança Pública brasileira – um sistema falido (II)

Com a palavra...


Os governos estaduais acusam o governo federal pelo aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos, principalmente aqueles governos que não estão alinhados politicamente com o governo federal. As principais queixas concentram-se no aumento do tráfico de drogas e tráfico de armas, crimes que deveriam ser combatidos com mais afinco pelas forças policiais federais. Por sua vez, o governo federal acusa os governos estaduais pela falta de investimentos no setor e na geração de emprego e renda. Sem dúvida alguma, essas queixas procedem e sempre existirão enquanto não se definir um sistema de segurança com um único responsável, um sistema onde o cidadão saiba exatamente a quem recorrer diante de suas inquietudes.
Outro ponto fundamental de desgaste do sistema estadual da segurança pública, é a sua manipulação política, principalmente no interesse mútuo entre o político e alguns membros deste sistema. Hoje, qualquer político, seja ele no âmbito municipal, estadual ou federal, interfere nas ações administrativas e operacionais das polícias. Existem até aqueles que tratam determinadas categorias como “meus” (meus soldados – meus agentes – meu delegado – meu comandante etc) sem contar o direcionamento de viaturas e equipamentos, até fazem festas e comícios para entregá-los nas cidades. Quem possui maior curral eleitoral ou influência política, tem mais atenção do governo estadual, que lhes permite que digam que conseguiram através de suas gestões pessoais, evidenciando que gozam do prestigio perante os governadores.
Os pedidos de políticos para transferências de policiais são em larga escala no Poder Executivo estadual, alguns acham que facilitarão ou que prejudicarão os seus interesses eleitoreiros, a permanência de determinado profissional de polícia . Qualquer vereador de uma cidadezinha distante possui esse poder sobre o sistema. Por outro lado, existem situações em que o policial está realmente envolvido com os compromissos políticos de alguém, prendendo, apreendendo ou liberando pessoas ou coisas de interesse político de A ou B, visando ao seu benefício pessoal. É um câncer que segue minando e destruindo aos poucos os pilares de sustenção das instituições policiais em todo o território nacional, a hierarquia e disciplina.
Esses policiais que estão na mão do político, principalmente prefeitos que lhes garantem benesses propositadamente – desde o fornecimento de combustíveis para os seus veículos, como também, moradia e gratificações pagas através de verbas que se pode mas não devem ser manipuladas, burlando a fiscalização dos Tribunais de Contas – não estão compromissados em fazer a segurança pública que idealizamos e aspiramos, estão sim, compromissados com o seu interesse pessoal e a corrupção.
Defendo a ideia de que só deva existir uma única polícia no país, com uma cadeia hierárquica bem definida, com um comando central em Brasília, subdividido em comandos regionais em toda a nação, aos moldes da Polícia Federal e Forças Armadas. Esse modelo trará mais benefícios do que prejuízos, tanto no campo operacional como também no administrativo.
No campo operacional, o cidadão sabe exatamente quem é o único responsável por cada localidade a ser policiado no território brasileiro, sabe a quem recorrer e cobrar imediatamente, no atendimento às suas necessidades de segurança. Por sua vez, o sentimento de ser o único responsável, evidencia valores extrínsecos e intrínsecos inerentes ao chefe, que o manterá ou o retirará do exercício da função de comando em determinado setor policial. O comandante terá no mapa seus limites territoriais de responsabilidade e será evidenciado o sucesso ou insucesso de suas ações.
O ciclo completo de polícia, hoje aspirado pelas forças policiais estaduais, existirá e acabará com o argumento de que uma atua em cima da falha da outra e a impunidade existe porque não existe investigação criminal. Todos esses argumentos gerados pela concorrência dicotômica deixarão de existir. O controle administrativo e operacional será mais evidente.
No campo administrativo, acabará com uma diversidade de preços de um mesmo objeto, comum a todas as polícias de hoje, a exemplo das compras de uniformes, armamentos, equipamentos de proteção individual, alimentação, veículos, materiais de intendência etc. efetuados pelas Forças Armadas e Polícia Federal. Sabemos que as compras efetuadas pelo sistema de concorrência nacional e internacional reduzem expressivamente os gastos, sobrando mais recursos que poderiam ser utilizados em outros setores, além de dificultar a corrupção em processos licitatórios.
Outro aspecto que se torna importante evidenciar é que possuiremos uma grande força de mobilização nacional, com uma força policial bem capilarizada, chegando em todos os rincões do país, com fluidez de mandos, evidenciando não só que possuímos uma segurança pública democratizada, como também, uma segurança pública de fácil mobilização em atuação uníssona conforme os desejos e anseios nacionais.  No caso de guerra externa seria a responsável pela segurança interna do país e a quarta força a ser combatida pelo inimigo declarado.
Muitos defendem a municipalização das polícias, acham que através deste modelo existirá a capilaridade e envolvimento das ações policiais. Na nossa visão, só superdimensionará os problemas hoje existentes. Tomemos com exemplo o modelo americano, onde existem centenas de corpos policiais que não conseguem fazer frente às suas demandas de segurança pública, principalmente do tráfico de drogas e armas, sem unidade de doutrina e que brigam entre si. Já em alguns países da Europa e América Latina, onde existe apenas um único corpo policial, os índices de criminalidade e violência são baixíssimos. Existe nos Estados Unidos o pensamento de reforma da sua segurança pública, alguns estados americanos, estão unificando suas polícias e militarizando-as.
Por outro lado, aquela situação de manipulação política dos corpos e efetivos policiais será minimizada com este novo modelo de segurança do Brasil. Sendo um corpo de responsabilidade federal, dificultará o acesso administrativo e até mesmo dificultará através de sistemas impeditivos legais para uma remoção de um membro dos seus efetivos de forma injustificada.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Segurança Pública brasileira – um sistema falido



Com a palavra...

Segurança pública no Brasil passou de ser apenas uma preocupação secundária, melhor dizendo, uma necessidade secundária, transformando-se na principal de seu povo. Antigamente, a casa própria, a moradia, era o maior sonho de consumo; hoje, vemos nas pesquisas de opinião pública, bem como nos estudos sociológicos feitos por universidades e órgão do Poder Executivo, em todas as esferas governamentais dedicados ao desenvolvimento de pesquisas, sinalizarem este nosso tema como a necessidade última do cidadão brasileiro.
A corrupção imperando nos mais altos níveis da política e no governo, o tráfico de drogas, notadamente o crack, dominando as ruas e a nossa juventude, criam um cenário propício para o agravamento do clima de insegurança, desconfiança e afastamento do cidadão de bem aos órgãos que compõem os sistemas nacionais e estaduais da segurança pública.
Os índices estatísticos de crimes contra a vida nos estados brasileiros nunca foram tão elevados, crianças e adolescentes cada vez mais envolvidos com ações delitivas complexas. Mata-se com maior frequência e com a maior facilidade por motivos torpes. O cidadão acuado já não aguenta mais.
Somente com a afirmação do título deste texto, muitos devem estar se perguntando o “por quê” de o Brasil, possuir um sistema falido e antidemocrático.  Para que possamos provar esta nossa tese, sem nenhuma pretensão de ofender a pessoas e instituições, demonstraremos através de raciocínios lógicos, sem divagar, vigiando para não cair no erro de tentar expor ou traduzir ideias ou teses sobre modelos policiais civilistas ou militaristas, bem como paradigmas e conceitos dogmáticos enraizados nas variadas instituições deste atual sistema. Não é esse o nosso objetivo.
O primeiro raciocínio lógico é relativo à responsabilidade de fiscalização e policiamento das nossas fronteiras. O Brasil, a “América Portuguesa”, país de dimensões continentais, fazendo fronteira com 10 (dez) países, todos com idiomas diversos do nosso e sem problemas de natureza diplomática (com o maior litoral e sistema aeroportuário da América Latina), possui uma polícia, a Federal, com efetivo diminuto que não dá conta dessa missão altamente complexa. Nossas fronteiras continuam permeáveis, o tráfico de drogas e armas se intensifica em decorrência da superprodução do crack na Bolívia e o mercado brasileiro nunca foi tão visado e promissor quanto hoje.
Muitos reclamam a convocação e presença das Forças Armadas, para fazer frente a tal demanda, olvidando-se que suas missões constitucionais é o principal fator impeditivo, sem contar que as suas tropas não têm o preparo necessário. Neste presente momento, está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, projeto que concede poder de polícia às Forças Armadas, posteriormente será encaminha para a Câmara dos Deputados. Sem dúvida alguma, tais medidas, gerarão direcionamento de recursos e aumento de prestígio institucional para eles.
Por sua vez, a Polícia Federal, responsável pela missão de controlar nossas fronteiras, escolheu em torno de 22 (vinte e dois artigos) do Código Penal para pautar suas ações. No jargão policial, “só quer atuar no atacado”, o crime organizado, investigando apenas o tráfico com grande volume de drogas, armas, contrabando e o descaminho, possuindo todo o tempo que quiser e achar necessário para desenvolver estas investigações. Divulga apenas seus sucessos e esconde aquelas ações que não tem interesse, ou por insucesso ou por atendimento à vontade política, possibilitando a geração de credibilidade perante o público em geral, apenas com o que é divulgado pela mídia e observado por um único ângulo, aquele que quer mostrar.
Num segundo raciocínio lógico, possuímos também a mais complexa e maior rede de estradas da América Latina e da mesma forma que a primeira polícia, temos uma segunda, a Polícia Rodoviária Federal, também diminuta, com efetivo insuficiente para cumprir a sua missão constitucional, controlar essa grande malha rodoviária. Uma polícia ainda sem identidade, ora quer ser ostensiva, ora quer fazer investigação criminal, notadamente no que interfere diretamente em sua missão estabelecida na Carta Magna, sendo concorrente nas investigações de tráfico de drogas e armas e também no roubo de cargas, sempre conflitando com a primeira polícia, que a olha de cima para baixo não dando a credibilidade que merece. Seus salários não são tão bons quanto a primeira, mas também não são os piores em comparação com as demais, o que veremos a seguir.
No âmbito estadual, num terceiro raciocínio lógico, “atuando no varejo”, no combate ao crime desorganizado, temos duas polícias: a Civil e a Militar, geralmente mal remuneradas, fazendo com que muitos dos seus integrantes utilizem como filosofia de sobrevivência o jargão: “o governo finge que paga, a polícia finge que trabalha”. Com raríssimas exceções, encontramos um ou outro governo, que se empenha em dotá-las com os meios necessários para o cumprimento de suas missões constitucionais.
Tratam-se entre si de coirmãs, realmente devem ser, pois nunca vi irmãs para brigarem tanto na vida, os seus país, os governos estaduais, tentam esconder suas contendas escudados numa pseudointegração, já que a união é impossível perante a atual Constituição. Vivem sempre na desconfiança umas da outras, chegamos até a escutar que são “inimigas cordiais”, são corporativistas e capazes de acobertar criminosos existentes em ambas, só para não dar o gosto de evidenciar para a outra a existência de mazelas.
Nos seus convívios diários, surgem os conflitos de competências e brigam pelo ciclo completo de polícia. A que é investigativa e repressiva, quer também ter o privilégio, se realmente é um, de usar uniformes, ostentar distintivos, caracterizar veículos policiais e agir ostensivamente. A que é ostensiva e preventiva, se acha no direito de investigar, não se contenta apenas com o flagrante dado, quer chegar numa rede de transgressores a partir dele. Utiliza-se de uma rede de inteligência bem capilarizada, às vezes em desvio de finalidade, para realizar tal mister. Ambas as polícias, geralmente se utilizam de métodos não convencionais de persuasão para chegar à resolução de crimes praticados, às vezes beirando a ilegalidade, quando não são denunciados, os seus integrantes, pelos órgãos do Ministério Público, enquadrados no crime de tortura.  
A Polícia Civil diz que atua em cima das falhas de atuação da Polícia Militar, o que não deixa de ser uma verdade, mas se falha é porque não estava presentes, se não estava presente, foi por desídia ou o governo não deu os meios necessários. Quantos foram punidos por desídia nestes últimos dez anos?
Pelo simples fato de existir uma dicotomia entre as polícias estaduais, existe a rivalidade entre elas. Essa rivalidade é o gigantesco abismo que separa a continuidade e a integração dos serviços preventivos e repressivos. Em verdade não deveria haver a descontinuidade dos serviços, a responsabilidade de fazer um local seguro de convivência pertence a ambas as polícias, porém torna-se impossível sem a devida comunicação. Amizade, espírito de corpo, comprometimento, interesse comum no sucesso das ações por parte dos seus profissionais, principalmente aqueles que estão na ponta do sistema, executando o policiamento ostensivo e o velado ou investigativo, é a chave do sucesso em corporações de ciclo completo ao redor do mundo e o insucesso dos nossos serviços existe, porque existe esta desnecessária dicotomia.
A fraqueza deste atual sistema e os tentáculos do tráfico de drogas, ajudam a evidenciar a incompetência dos governos federal e estaduais em controlar esta e as outras modalidades de crimes, notadamente aqueles elencados no rol de crimes hediondos. O homicídio, o latrocínio, extorsão mediante sequestro, estão cada vez mais presentes no dia a dia do cidadão brasileiro que, vivendo neste caldeirão fervente de crimes, neste incompreensível mar de impunidades, implora por socorro.   
Daí continuamos a perguntar: de quem é a responsabilidade pela Segurança Pública no Brasil? A quem devemos recorrer, enquanto cidadãos?
Partindo do campo dos raciocínios lógicos, estes em que relatamos e que é visível sem que precisemos fazer muito esforço, passamos para os bastidores da política, onde imperam as vontades e interesses de manipulação de recursos públicos residentes nas diversas pastas do poder executivo.
Verificamos que muitos governos não têm interesse em divulgar seus números estatísticos, o aumento da criminalidade, certamente refletirá nos resultados das urnas. Muitos governantes realmente possuem a vontade de progresso, desenvolvimento e interesse no bem-estar do seu administrado, porém existem outros que não estão preocupados com o povo, só não querem perder o poder e a manipulação dos recursos públicos. Alguém já viu em algum lugar, um comparativo estatístico de criminalidade e violência, onde suas fontes foram os governos estaduais? Claro que não.
Como se pode medir a competência dos governos se eles omitem ou “maquiam” seus números estatísticos?
Ora, a logicidade nos dá o entendimento de que nenhum governante vai assinar um atestado de incompetência na sua gestão, para ele foi a melhor administração pública dos últimos anos, principalmente se conseguiu tirar o governo das mãos do seu principal adversário ou oponente político, isso é obvio. Escutamos tais afirmativas constantemente nos debates políticos e até comprovam a excelência de suas gestões, através de prêmios comprados, mesmo assim continuamos a admitir práticas desse tipo e o atual modelo de segurança pública nacional, comprovadamente ineficaz e arcaico.

Sobre Francisco Luiz da Fonseca Issa

Francisco Luiz da Fonseca Issa é tenente-coronel PM da PMBA, assistente militar adjunto da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia, bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Gestão Administrativa em Segurança Pública pela Universidade do Estado da Bahia e Academia de Polícia Militar de Goiás e professor de Direitos Humanos da Academia de Polícia Civil da Bahia. Foi professor de Intervenção Policial da Academia Nacional de Segurança Pública de El Salvador – América Central e Consultor de Segurança Pública da Missão das Nações Unidas em El Salvador (Minusal) no período de 1995 – 1998.
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quarta-feira, 3 de julho de 2013

5 pontos para a desmilitarização das polícias brasileiras


Desmilitarização
Provavelmente nunca se falou tanto em desmilitarização das polícias no Brasil. A recente onda de protestos populares, e a dificuldade com que as polícias militares lidaram com o povo nas ruas sem lideranças constituídas inclui nestes mesmos protestos as polícias como foco de questionamento – mesmo porque, em alguns casos, a atuação policial equivocada foi o que intensificou a sanha popular de ir às ruas por mudanças.
Mas, afinal, o que se quer dizer quando gritam pela desmilitarização? O que, especificamente, significa “desmilitarizar”? Será que todos nós defendemos ou contrariamos a iniciativa com a devida ponderação e certeza sobre o que se está tratando? Particularmente, tenho uma noção do que seria uma “desmilitarização” adequada das polícias brasileiras. Seguem minhas propostas:

Desvinculação das Forças Armadas

Estamos cansados de saber que a função das Forças Armadas, especificamente a do Exército Brasileiro, é distinta da função das polícias militares. Com toda a relevância que possui o serviço de Defesa Nacional, ele se distingue significativamente da natureza do serviço policial. Enquanto o Exército se dedica à proteção da Soberania Nacional contra um inimigo externo, sendo-lhe lícito matar o que seja considerado um inimigo, as polícias militares lidam com cidadãos, violadores de normas ou não, que possuem direitos mesmo estando na pior condição de condenação criminal.
As normas, a cultura e os entendimentos do Exército foram feitas para o Exército. Eventualmente, estes quesitos são similares ao que vivem as polícias, mas é perigoso se confundir com as aparências e entender que o alinhamento entre as duas realidades geram distorções significativas. Até mesmo o General que comandou as forças de ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, admitiu que lidar com o homem na PM é diferente do que se pode fazer no EB:

Formação democrática e cidadã

Desmilitarização
É preciso que a formação policial possua diretrizes claras, definidas, voltadas para o preparo técnico, para o respeito à lei, para o respeito à cidadania em sua plenitude. Os alunos policiais precisam ser respeitados e precisam entender seu papel desde as escolas de formação. Devem tornar-se experts em relacionamento e comunicação, superando o simplismo da ordem pela ordem e atingindo toda a complexidade necessária para alcançar o convencimento do outro.
A formação deve deixar claro, balizada pelas leis e pelos princípios e garantias fundamentais, quando o policial pode atirar e quando não pode. Quando pode conduzir e quando não pode. Quando pode aplicar a força e quando não pode. Mais: é preciso que os formadores de policiais acreditem e afirmem esses limites, ou o dito e lido não terá efeito. Por fim, parece necessário que a formação policial se aproxime do povo, pois é para o povo que ela existe.

Concessão de Direitos Civis a policiais

Cartazes das manifestações
É bom esquecer qualquer proposta de polícia democrática que não inclua a liberdade de expressão para policiais, seu direito de manifestação trabalhista e o direito à liberdade no mesmo nível dos outros cidadãos. Ou seja, em pleno século XXI é inconcebível que os policiais sejam presos por chegarem atrasados ao trabalho, e outras questões menores (mesmo que observáveis).
A rigidez regulamentar das Forças Armadas (que atua em épocas e missões bem específicas) aplicada às PMs levam estas ao rigor excessivo ou à ilegalidade, por não terem “coragem” institucional de aplicar normas aparentemente absurdas à realidade policial-militar.

Controle externo efetivo

PMDF
Policiais são manipuladores do legítimo direito do Estado de usar a força em favor da sociedade. Não é uma missão simples, por isso precisa ser fiscalizada com atenção e cuidado. Outros órgãos legalmente constituído devem exercer controle formal sobre as polícias, fiscalizando continuamente suas ações. A polícia também precisa criar cada vez mais mecanismos de controle informal, para que a população colabore apontando abusos e desvios (a mídia ajudaria muito se deixasse de privilegiar de modo positivo ações repressivas abusivas e incitações à ação policial violenta).

Valorização dos policiais

Pelo mesmo motivo apontado acima – por não ser uma simples missão – é preciso que os policiais sejam valorizados pelo que fazem. Salário digno, condições de trabalho (salubridade, equipamento, transporte) e compensações à exposição de suas vidas para cumprir uma função pública.

Redução de cargos comissionados

Desmilitarização das polícias
Outro ponto que geralmente se atribui a uma polícia “militar”: a condição de uma corporação que se anula ao contexto social e age somente causada por interesses particulares, principalmente do poder político de ocasião. Ora, por que não considerar que desmilitarizar é também dar independência técnica a quem faz polícia? Será que o excesso não é interesse de certos grupos de poder que, de modo bem claro, possuem meios de tomar privilégios de quem pode determinar a ação policial?
Parece que o excesso de cargos comissionados (de “confiança”, com livre nomeação) nas polícias garante que, em sua maioria, partidários dos governos estejam dando ordens, e que a atuação da polícia, portanto, seja pautada exclusivamente por elementos politiqueiros.
Dos elementos acima conclui-se que há polícias “militares” não só entre as polícias militares. Polícias civis, guardas municipais e outras instituições também estão “militarizadas” em certos aspectos. Também é bom atentar que a deferência aos símbolos nacionais, a utilização de fardas e aspectos estéticos historicamente ensinados pelo militarismo e copiados por toda empresa de sucesso são positivos – até os escoteiros sabem aproveitar o valor destes quesitos para a formação dos indivíduos.
Mexer nestes elemento é simples, fácil? Nem um pouco. O cartaz levantado nas ruas é bem mais pesado do que se imagina.

[Este post é ilustrado com cartazes e imagens dos últimos protestos no Brasil]

A inútil derrubada da PEC 37




IVES GANDRA MARTINS *
Em preciso, incisivo e gráfico editorial, o Estado de 30/6 (A3) sustentou que a derrubada da PEC 37 por oportunismo político terá efeitos desastrosos. Da análise dos argumentos lá expendidos, como das manifestações inúmeras de constitucionalistas, ministros do STF - na ativa ou aposentados - e do texto da Constituição federal (CF) se percebe que, efetivamente, a decisão foi, sem maiores estudos, tomada por um Congresso acuado pela multidão, que desconhecia o que a PEC propunha.
Pessoalmente, em palestras e artigos, sempre me manifestei no sentido de que aquela proposta de emenda era rigorosamente inútil. Afirmava o que já estava na Constituição e não tirava do Ministério Público (MP) poder que nunca teve.
A polícia judiciária não é um órgão subordinado ao MP, mas ao Poder Judiciário. O artigo 144, § 4.º, da CF - cuja redação é a seguinte: "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares" - em nenhum momento estabelece que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais pertencem, simultaneamente, ao Poder Judiciário e ao MP. Declara apenas que são do Judiciário.
Não sem razão, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, em entrevista ao Estado, declarou que a PEC 37 não pretendia retirar nada do MP, pois não se retira de alguém algo que esse alguém não tem.
As competências do Ministério Público não são idênticas às do Poder Judiciário. A Constituição federal outorga ao Judiciário o dever de julgar, correspondente ao disposto nos artigos 92 a 126 da CF (capítulo III do Título IV). Para completar as "funções essenciais à Justiça" - é esse o enunciado do capítulo IV do Título IV da Lei Suprema - prevê que duas instituições conformam o tripé da prestação jurisdicional, a saber: o Ministério Público (artigos 127 a 132) e a advocacia (artigos 133 a 135).
Estão em igualdade de condições. Numa democracia, o MP tem a função principal de acusador, em nome da sociedade, e a advocacia, a função de defendê-la. Por essa razão, como cláusula pétrea, imodificável, o constituinte garantiu que a defesa, nos processos administrativos e judiciais, deve ser ampla (artigo 5.º, inciso LV). O uso de adjetivo com tal densidade ôntica não foi despiciendo, mas garantia absoluta de que tal direito, o de defesa, é um dos sustentáculos de um regime democrático, posto que inexistente nas ditaduras. Por isso tal disposição é cláusula pétrea da Carta Magna, não podendo ser alterada nem por emenda constitucional (artigo 60, § 4.º, inciso IV).
As funções dessas duas instituições são, pois, iguais (advocacia e Parquet) e dependem do Poder Judiciário para a solução dos conflitos.
Ora, o delegado é membro da polícia judiciária. Não é polícia do MP. Por essa razão, deve presidir o inquérito policial, devendo remeter suas conclusões ao magistrado, a que se subordina, e não ao titular do direito de acusar. Este, pela própria Constituição, pode requisitar investigações aos delegados e acusar os delegados suspeitos de prevaricação (artigo 129, incisos VII e VIII) - não mais que isso, visto que são parte nas investigações e não podem ser "parte" e "juiz" ao mesmo tempo.
Assim é que a própria Lei 12.830, de 20/6/2013, regulamentadora da investigação criminal, dispõe que as funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais são exercidas exclusivamente pelos delegados (artigo 2.º), cabendo-lhes a condução da investigação criminal (§ 1.º do artigo 2.º). Como se percebe, nunca estiveram os membros do MP incluídos entre os que podem dirigir a investigação. A própria lei mencionada diz que não estão, referindo-se apenas aos delegados. Até porque, se os tivesse incluído, a lei seria inconstitucional.
Por essa razão, constitucionalistas do porte de José Afonso da Silva, Nelson Jobim, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello já se manifestaram no sentido de que não cabem ao Ministério Público funções policiais, até porque não é preparado para tanto. Os delegados, sim. Os membros do Parquet têm outras funções - relevantíssimas -, que estão explicitadas no artigo 129 da Carta Suprema do País.
Como se percebe, a derrubada da PEC 37 nada representou, pois o artigo 144, § 4.º, da Lei Suprema não foi alterado, continuando a prever que a polícia judiciária - não o MP - é constituída apenas por delegados de carreira, os únicos com competência constitucional para conduzir as investigações criminais.
O acuado Congresso, que pouco antes aprovara lei na linha da PEC 37 a fim de atender ao clamor da multidão, que desconhecia o tratamento constitucional e legal do tema, derrubou a desnecessária proposta. Aprovada ou não, não modifica a clareza do artigo 144, § 4.º, da CF, ao estabelecer que apenas aos delegados cabe a apuração de investigação criminais.
Termino este breve artigo reiterando que o Ministério Público deve cuidar de suas relevantes funções, e não pretender invadir funções de outras instituições, para as quais não são devidamente preparados promotores e procuradores.
O povo foi às ruas contra a corrupção. O MP declarou que a PEC 37 era a PEC da Corrupção, como se todos os delegados fossem corruptos e todos os membros do MP, vestais. E o povo, contrário à corrupção, pensou ser verdade a marqueteira afirmação. Como o tempo é o senhor da razão, e como a Constituição não foi mudada, à evidência continuam os delegados a ser os representantes do Poder Judiciário e continuarão os membros do MP sem competência para conduzir as investigações criminais, a teor do que dispõe o artigo 144, § 4.º, da Lei Suprema. Cumpre-lhes, todavia, exercer suas relevantes funções, que não são poucas, em prol da sociedade. Mas apenas estas (artigo 129).
* IVES GANDRA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE MACKENZIE, DAS ESCOLAS DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO, SUPERIOR DE GUERRA E DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO.



segunda-feira, 1 de julho de 2013

MPF deveria garantir as manifestações, proibindo a PM de ir vas ruas.

 

Eu tive uma ideia:
Vamos pedir ao MPF que garanta os direitos de manifestação, o de Ir e Vir e o de fazer qualquer coisa para mostrar o descontentamento com o governo, e proiba as PM de atuarem em qualquer lugar do país. Que deixem os manifestantes irem a casa do Governadores, dos prefeito, nas assembleias, palacio do governo, camara municipal, forum, tribunais de justiça e propiciem aos integrantes da Corporação, tambem protestarem por seus direitos, ao invés de irem combater os vandalos e responderem depois, por denuncias do proprio MPF, por estarem no exercicio do dever legal. Assim a liberdade estaria mantida e os policiais militares,  a salvo de cumprirem a missao de defender a ordem publica, os bens, com o sacrificio, dos seus ideais, da sua tranquilidade e as vezes da propria vida.
Se não der certo convoca seus serventuarios, para coibirem os excessos, respeitando os direitos do cidadão, com megafones, discursos e "tapinhas nas costas".
Ai seremos todos felizes!