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domingo, 30 de junho de 2013


‘QUEM SABE FAZ A HORA / NÃO ESPERA ACONTECER’

  – 27 DE JUNHO DE 2013PUBLICADO EM: COM A PALAVRA...EM DESTAQUE
Com a palavra...

Imagem: Pablo Reis (TV Aratu/SBT Bahia)
Na segunda-feira (24), foi realizado na Fundação Getúlio Vargas um debate tendo como pano de fundo a onda de protestos que tomou conta das ruas das grandes cidades brasileiras, particularmente em São Paulo, nas duas últimas semanas, pois enquanto muitos gritavam gol, uma rebeldia insatisfeita tornava realidade, outra vez, os versos da canção de Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores”.
Graças ao Facebook, o Twitter, o YouTube, o Instagram e outras redes sociais, as pessoas se mobilizaram e/ou foram mobilizadas, e, exatamente como diz a letra da canção de Geraldo Vandré: “Vem vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer”, a massa nas ruas conseguiu acuar os nossos governantes, inclusive àqueles mais acostumados a lutar contra o sistema autoritário de poder que sempre vigorou na história deste país.
Nessa lógica, o que se seguiu simplesmente obedeceu a uma antiga lição da nossa velha gramática política, com a chamada questão social voltando a ser uma questão de polícia, onde a ordem era por um fim às manifestações, com uma repressão “não letal” para não causar vítimas fatais que pudessem ser transformadas em mártires, pois, se já era difícil entender o começo, o problema, diga-se de passagem bastante complexo de resolver, era o que fazer para conseguir parar com um movimento onde nem todos os participantes “marchavam em indecisos cordões, nem acreditavam nas flores vencendo o canhão…”
Gerenciar crises envolvendo grandes manifestações de massa, aparentemente “sem controle” e com uma liderança muito difusa, “negociando” questões que demandam uma resposta pública, com certeza, não é tão simples como pode parecer à nossa vã filosofia. Assim, mais uma vez, nossos governantes, em lugar de chamar a responsabilidade para si, com uma resposta pública e clara, convidando para o diálogo, preferiram arbitrar o conflito com a Polícia Militar para desfrutar do já tradicional efeito vacina, pois, como a única representante das autoridades públicas presente nessas manifestações, ao final, inexoravelmente, é, como sempre foi, considerada culpada por tudo, pelo que fez, pelo que não fez, pelo que poderia fazer ou pelo que não pôde fazer…
Com base na opinião dos especialistas que debateram o tema na Fundação Getúlio Vargas, o grande desafio das Polícias Militares está centrado nos limites para o uso da força e no preparo dos integrantes dessas corporações para negociar antes e durante manifestações públicas. Até aí nenhuma novidade, pois policiar eventos multitudinais, em um contexto democrático, exige por parte das forças de segurança uma postura preventiva, lastreada na provisão de oportunidades para as ações coletivas e/ou individuais de facilitação/consensual, priorizando a negociação e a intervenção não-violenta.
Infelizmente, navegar é preciso, viver não é preciso. Assim, apesar das boas intenções dos estudiosos que têm se debruçado sobre essas questões, não é necessário ser um especialista em gerenciamento de crises para se saber que em eventos críticos como estes, os participantes da negociação precisam ter poder de barganhar e chegar a um acordo, pois, sem esse empoderamento, em um contexto de anomia, onde não existem regras, tradições ou lideranças com autoridade e vontade política para resolver o conflito, torna-se difícil impedir o descontrole e a radicalização.
Nesse contexto, ante a fúria das multidões de jovens brasileiros, com depredações e invasões a sedes de governo, para quem tem a impossível missão de preservar a ordem pública, não restam outras alternativas além da adoção de medidas obstacularizadoras próprias das ações dissuasivas, repressivas, coercitivas, de alta ostensividade, pautadas na geração de óbices às ações coletivas e/ou individuais, através do uso “progressivo” da força que, de acordo com as partituras e os maestros, podem se transformar em uma espiral de conseqüências imprevisíveis.
O que vem pela frente ainda é nebuloso e pode até ser surpreendente, mas, neste horizonte brasileiro de muitas dúvidas e poucas certezas, onde a velha canção de Geraldo Vandré pode até ganhar ares de uma nova Marselhesa, uma coisa parece certa, enquanto houver corações e mentes dispostos a ir para as ruas“caminhando e cantando e seguindo a canção”, também haverá “soldados armados, amados ou não / quase todos perdidos de armas na mão”. Salvo se os nossos governantes e seus políticos, realmente estiverem dispostos a ouvir as ruas “aprendendo e ensinando uma nova lição” para o bem do Brasil e dos brasileiros, pois “quem sabe faz a hora / não espera acontecer”.