quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Capitã PMBA Denice Santiago – Centro Maria Felipa
Autor: Danillo Ferreira
As polícias brasileiras possuem inúmeros defeitos (estruturais, admnistrativos, culturais etc), boa parte deles discutidos cotidianamente neste espaço, e em outros tantos. Isto não impede, porém, que profissionais dedicados realizem seu trabalho com competência, às vezes gerando iniciativas de vanguarda na área de segurança pública – não só no âmbito de suas polícias, mas em todo o Brasil e até no Mundo. Certamente este é o caso do trabalho desenvolvido pelo Centro Maria Felipa, unidade institucional de refência à mulher na Polícia Militar da Bahia.
Criado em 2005, o Maria Felipa vem lutando pela garantia dos direitos das mulheres no âmbito da corporação, respeitando as peculiaridades do gênero sem afetar a qualidade do serviço prestado pelas PM’s baianas – na verdade, potencializando, através de suas ações, o profissionalismo técnico que toda mulher é capaz de desenvolver, tanto quanto os homens policiais. O Abordagem Policial entrevistou uma das criadoras do Centro, a Capitã Denice Santiago, que ainda hoje é responsável pelo trabalho. Vale a pena a leitura:
Abordagem: O que é o Maria Felipa, em que contexto ele surge?
Capitã Denice: Em 2005, o Comando Geral envia a mim e a (Capitã) Claudia Mara como representantes da PMBA no aniversário de 55 anos do ingresso feminino na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Na programação do evento, que contou com mais de 800 mulheres, existiam momentos de sensibilização que sempre culminavam com emoções fortes, em especial relatos de depressão, tentativas de suicídio ou suicídio dos seus familiares e colegas.
Em diálogo com Claudia Mara percebemos que este era também o caminho da nossa PM. Pois com o fim da Cia PFem em 1997, fomos pulverizadas por todas as unidades da Corporação, perdendo assim o referencial do pensar o feminino na instituição. Apesar de ter sido um avanço para o crescimento do efetivo e na atuação feminina, tivemos a perda desta possibilidade de união e de escuta de nossos problemas.
Idealizamos ali, em São Paulo, um núcleo de gênero na PMBA, que servisse para assessorar o Comando Geral nas decisões referentes ao gênero feminino.
Levada a proposta ao Comandante Geral da época, o Coronel Santana, tivemos a aceitação imediata, com ressalva apenas ao nome: pensamos, na escrita do projeto, em criar um Centro Maria Quitéria, em homenagem à heroína da história do estado. Nesse momento ouvimos um dos nossos maiores ensinamentos: “vocês querem se vestir de homem para serem aceitas?” Foi este questionamento que nos levou a renomeá-lo para CENTRO MARIA FELIPA.
Na história tivemos a convicção de que este era o nosso nome, nossa identidade. Uma mulher, negra, do povo, que lidera outras mulheres em uma ofensiva decisiva à vitória aliada na luta pela independência da Bahia.
Nosso Centro tem como missão implantar, propor ações sistematizadas, objetivando estabelecer um núcleo de estudos, consultas e assessoramento para o segmento feminino da PMBA. A proposta é que tenhamos um espaço institucional onde as mulheres policiais possam encontrar todos os subsídios necessários para nortear suas atividades profissionais.
Abordagem: As mulheres policiais possuem capacidades diferenciadas das que são comuns aos homens? Ou simplesmente elas podem fazer o mesmo que os homens fazem no serviço policial?
Capitã Denice: Esta é uma pergunta interessantissima! Não há separação, além da cultural, do feminino para o masculino. Se treinadas somos capazes de fazer qualquer coisa: é a técnica a niveladora de competência, não o gênero. E o medo não é uma questão de gênero. Culturalmente fomos programadas para sermos mais acolhedoras, “donas de casa” e isso foi se transformando como especificidade do feminino, mas, se bem treinados, qualquer ser humano teria características comuns. Logo, é comum se pensar que poderíamos não fazer o mesmo que os homens, mas isto talvez seja um dos nossos maiores entraves profissionais. Somos capazes e plenamente eficientes no exercício de qualquer profissão, e na PM não seria diferente.
Abordagem: Em que grau está o nível de preconceito dos homens em relação às mulheres no âmbito das corporações policiais?
Capitã Denice: Penso que o mesmo que em qualquer segmento social: nós ainda estamos no imaginário masculino (e coletivo) como as “domésticas”, aquelas que servem para servir. Na corporação não é diferente.
Abordagem: Como a senhora vê a limitação de vagas para mulheres no concurso das polícias militares?
Capitã Denice: Um ato de discriminação. Quero viver ou fazer valer o dia em que nossos concursos obedeçam o artigo 5º da Constituição Federal, igualando-nos em direitos e deveres. A minha ideia é um concurso com vagas abertas, independente de número, pois, como disse, treinados somos igualmente capazes, logo, não vejo motivo para separação de vagas.
Abordagem: Quais os avanços alcançados pelo Maria Felipa nesses anos de atuação?
Capitã Denice: A portaria para emprego de policiais militares gestantes; o curso para gestantes PM, a inferência nos uniformes femininos, os cursos de capacitação, visibilidade do feminino policial militar na sociedade, entre outros…
Mas além de projetos e legislação, nosso maior avanço, para mim, foi a ressignificação do feminino na corporação. Agora temos uma referência, um ponto de apoio, que, aos poucos, vem sendo utilizado por todas os policiais e sociedade civil.
Abordagem: Nesse sentido, o trabalho do Maria Felipa pode ser considerado único no Brasil? Ou há outras polícias militares com atitudes similares?
Capitã Denice: Existem associações de PM femininas, mas não como setor institucional. O Maria Felipa torna-se único por sermos a primeira PM brasileira a pensar um setor específico para questões do gênero feminino.
Abordagem: Quais são os próximos desafios para o Centro?
Capitã Denice: Sobreviver! Consolidando as ações referentes aos direitos e deveres da mulher, como os 5 anos a menos de serviço em relação aos homens, uniformização ergonômica, legislação interna sobre violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, capacitação específica respeitando as nuances femininas. E tantas outras que a relação diária nos levar. Não é um trablhao fechado, visto que, nossa própria profissão nos traz características que não são estanques.
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