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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Cortados na carne (Tributo a Fernando Wydeman)


Publicado no Blog  A Queimaroupa



Ao assumir a pasta da Segurança Pública da Bahia, o jovem delegado da Polícia Federal Dr. Maurício Teles Barbosa afirmou com ênfase que cortaria na própria carne, caso fosse preciso, enfocando que as instituições integrantes da Secretaria a ele confiadas cuidariam de extirpar das suas entranhas os pseudopoliciais – locução que usou quando, logo depois da sua assunção, o embate entre policiais civis resultou na morte de um agente ao ser ele surpreendido por colegas no bairro da Pituba, supostamente na prática de um crime de extorsão.
A princípio louvável a coragem e a determinação do secretário, vez que é inadmissível, imponderável e impossível desenvolver qualquer atividade, seja qual for o campo laboral ao qual se dediquem os seres humanos, se na sua própria estrutura constar a presença de traidores, anticidadãos, pessoas desprovidas de caráter, capazes de vender seus próprios pares e os interesses do grupo ao qual pertencem.
Tanto pior se os desviados integram forças policiais, vez que, ao mudarem de lado, traem a confiança que lhes foi depositada pelo estado como um todo e, por conseguinte, da sociedade, ávida e sedenta por dias menos turbulentos, tudo potencializado pelo fator de que neste caso, é inerente à atividade policial o permanente risco a integridade física dos agentes da lei, como de resto à sua própria vida.
Na esteira desta pretensão elogiável, como dito preliminarmente, de alcançar os maus profissionais da segurança, uma enxurrada de sindicâncias, processos administrativos e prisões espetaculosas de agentes, soldados, militares graduados e delegados de polícia. Nestas derradeiras providências, filmagens, fotografias, reportagens com destaque nas manchetes dos jornais de grande circulação do estado e nos demais órgãos de imprensa do país, dando conta desta assepsia que tornaria a polícia mais limpa e a cidade mais segura.
Confesso que fiquei um tanto quanto apreensivo quando li a matéria dando conta desta sua intenção de cortar na carne, aumentando minha inquietude a cada ação velada ou explícita praticada pelos órgãos de controle da polícia, muitos deles com suporte ou provocados pelo braço do Ministério Público, que buscavam sanear os focos de improbidade, prevaricação e demais desvios, extirpar tumores, cauterizar tecidos podres para que não contaminassem todo o corpo.
Sim, porque em 2002, tempo em que o secretário começava a vida profissional, concluindo seu curso de direito, e ingressava nos quadros da Federal, eu completava meu meio século de vida e caminhava para trinta anos de polícia. Então, vendo o jovem Mauricio, nosso “Nassau”, que pretendia criar as pontes de retidão sobre os rios da miséria humana – alguém disse que a polícia é o mar onde deságuam todos os rios da miséria humana – usando desta estratégia erradicadora como um dos pilares do seu projeto para solucionar a questão da violência na Bahia, esta sim, deveras preocupante, temi e tremi. Por ele, por nós policiais e pelo povo residente e visitante desta terra de Oxalá.
Lembrei-me de uma frase – as palavras não voltam vazias – quando um episódio infeliz para todos os envolvidos se fez ocorrer. Um tio do secretário foi preso, acusado de um crime de pequeno potencial ofensivo e os elogios lhe foram demasiadamente dirigidos, na medida em que não interferiu em favor deste seu parente próximo. Realmente louvável sua atitude, visto pelo ângulo do gestor que deve ser consequente e coerente. Mas, pensei comigo mesmo, as palavras não voltam vazias, houve que existir este corte de sua própria carne, quis o destino.
Ações fora dos muros foram adotadas desde quando o secretário assumiu. Troca de cargos, retomada do Calabar, caça às figuras expostas no baralho do crime montado pela SSP-BA, estratégia exitosa copiada de procedimento do Exército americano, planejamentos, blitz em locais visíveis, mas, infelizmente, há que se reconhecer, os resultados destas mediadas intestinas e externas, não pôde dar ainda aos soteropolitanos e turistas, nem mesmo uma sensação de segurança, que dirá uma verdadeira segurança, obrigação do estado.
As saidinhas bancárias que não sossegam, com vítimas feridas gravemente e até mesmo mortas, os assaltos a ônibus, os ataques aos estabelecimentos bancários revestidos de uma ousadia sem precedentes, os sequestros dos gerentes de bancos e suas famílias para obrigar os funcionários a entregarem para as quadrilhas os valores guardados nos caixas-forte, os crimes de extorsão mediante sequestro que tiveram como alvo pessoas expressivas da sociedade baiana, o assustador número de homicídios, fatos divulgados enfaticamente a toda hora, por todos os meios de comunicação, são indicadores do que pude afirmar anteriormente.
Existe ao que se sabe uma insatisfação nos quadros das duas polícias estaduais, motivada por uma série de fatores que vão dos baixos salários, das precárias condições de trabalho e do desrespeito aos policiais, no que tange ideia de que estão nivelados por baixo os militantes das agremiações responsáveis pela segurança pública, naquilo que concerne ao caráter e dignidade dos seus membros.
Ouvem-se comentários dando conta de que apenas dois batalhões da PM estão operando verdadeiramente e que, na Civil, se fala que a cúpula faz de conta que manda e a base faz de conta que obedece. Em sendo real este informe, nenhuma estrutura de segurança se sustenta e impera fatalmente o domínio do caos.
Diz-se ainda que uma inversão de valores estimula o descontentamento dos profissionais de segurança pública, citando-se, como exemplo, a inteligência da SSP ser comandada por um agente, enquanto que profissionais experimentados são preteridos, estendendo-se esta situação para diversas diretorias, titularidades e até comandos militares, neste último caso com menor ênfase em face da hierarquia.
Sinto-me capaz de fazer esta crítica – não só pelo que sei de segurança pública e da vida, muito embora saiba que jamais deixarei de ser aprendiz – porque fiz publicar no site À Queima Roupa da minha amiga Jaciara, o seguinte:
Excelente a entrevista concedida pelo secretário de Segurança Pública, Maurício Teles, à jornalista Jaciara Santos, publicada no blog À Queima Roupa. Igualam-se, entrevistado e entrevistadora, na capacidade de questionar da segunda – fato que não me faz tomado de surpresa -, bem como na sobriedade e competência em responder do primeiro.
Aliás, quando escrevi o artigo Espiral Ascendente, publicado neste mesmo veículo dias atrás, havia comentado sobre minha observação acerca da postura e do discernimento do atual gestor da pasta da Segurança baiana, quando discorri sobre ele e a atual administração que ainda caminha no seu gênesis. Repito trecho dali retirado:
Consequente, consciente, comedido nas palavras, mas, capaz na forma de dizê-las, competente, bem intencionado e aguerrido, é assim como vejo o novo Secretário da Segurança Pública da Bahia, não o conheço, mas, homem de inteligência que também sou, conheço-lhe as referências. Como era de se esperar, acercou-se dos jovens valores desta policia baiana, de tantos iluminados, montando seu staff, uma plêiade de bravos capazes de fazer girar bem a máquina sob seu comando, profissionais que, consoante dito acima, conheço desde que ensaiaram seus passos primeiros na casa.

A bem da verdade, mais do que em tom de crítica, escrevo estas linhas para revelar, numa hora de dor para todos nós, policiais baianos, um sentimento de revolta. Sim, porque ao invés de ver cortar na carne como pretendia esta administração, para teoricamente separar o joio do trigo, vejo que estamos sendo cortados na carne.
Ontem, um jovem, Fernado Wydeman Adan, filho de um grande profissional, o delegado Adailton Adan, dileto amigo, foi morto a tiros, em plena luz do dia, quando saia de casa para ir à faculdade. Pouco importam os motivos, eles serão apurados, cabe aqui registrar a violência e perguntar: há maior corte na carne do que a perda de um filho, ainda mais em uma circunstância desta?
Que dizer dos diuturnos cortes na carne quando, toda semana, vemos e ouvimos as notícias de colegas policiais civis e militares, mortos nas mais diversas circunstâncias, órfãos de uma instituição a quem, pelo visto, não mais se respeita?
Invade-se uma cidade, Camacã, prende-se todo o aparelho policial, desmoralizando não apenas os profissionais que militavam ali, mas a instituição como um todo, numa ação cinematográfica no ato de fazer e na forma de divulgar, acusados de uma gama de crimes. O jornal de maior circulação do estado estampa na primeira página a foto do Delegado Jackson Silva, entrando algemado na Corregedoria, carregando pertences, como um delinquente comum.
Dias depois, o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz do feito, numa sentença clara, exime de qualquer responsabilidade o Delegado e todos os alcançados naquela operação midiática são absolvidos. Nenhum desagravo institucional, nenhuma reparação espontânea da segurança pública. Existe carne mais dilacerada do que esta?
Informado de um detalhe que poderia resolver um sequestro que se deu há poucos dias na Bahia, numa ação que durou mais de dois meses, falei com um delegado que cuidava do caso para lhe passar a notícia e avisar que fui chamado pela família para colaborar. Recebi, no meu celular, a seguinte mensagem do colega, dois dias depois, esta que ainda guardo: “Conversei ontem com o delegado geral e o secretário. Disse que o senhor me procurou para dar algumas informações e foi procurado por alguns desembargadores e empresários, sondando-o sobre a possibilidade de ajudar na resolução do sequestro. O senhor disse que poderia ajudar desde quando a SSP tivesse ciência. O secretário disse que pode orientar a família, porém sem o aval da SSP, mas agradeceu a ajuda”.
Senti-me cortado não na carne, mas na alma, mas, mesmo assim, ajudei no que pude.
Uma polícia desestimulada, ferida, oprimida, desrespeitada, não pode produzir. A função, por si só, dado ao estresse constante que envolve a atividade, necessita estar com sua estima elevada, ter a tropa com seu moral altivo. Porém, a continuar estes indiscriminados cortes na carne e esta política de fazer de conta, caminharemos para um clima preocupante e doloroso. De que valem aqueles policiais com cara de paisagem nas entradas e saídas do Calabar, se no resto da cidade se vive um clima de guerra?
Adan acaba de esclarecer um crime semelhante a outros dois ocorridos em Minas, o do goleiro Bruno e em São Paulo, da jovem advogada nissei, dos quais as duas excelentes instituições co-irmãs não tiveram êxito de fazê-lo, na plenitude com que ele o fez. Sei que a polícia da Bahia é uma das melhores do mundo e conheço várias, fazendo e treinando, por isto posso dizer isto de cátedra e Adan é dos seus mais lídimos representantes. Mas quis o destino lhe pregar esta peça malvada dias depois.
Conheci seu pai, velho agente com quem ainda pude militar no alvorecer de minha carreira, na companhia de Dedé, Santana, Amorim, Edvaldo, Humberto Teixeira e outros a quem soube respeitar, com quem muito aprendi e de quem não dispensei ajuda, talvez por isto tenha conseguido acertar muitas vezes.
Bem, resta pedir a Deus que dê ao colega e sua família a resignação necessária para ultrapassar este momento de dor ilimitado e insuperável.
E que Ele conceda aos homens desta nossa segurança bom senso, boa vontade e inspiração, para que, afinal, tenhamos paz.

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