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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Segurança Pública brasileira – um sistema falido



Com a palavra...

Segurança pública no Brasil passou de ser apenas uma preocupação secundária, melhor dizendo, uma necessidade secundária, transformando-se na principal de seu povo. Antigamente, a casa própria, a moradia, era o maior sonho de consumo; hoje, vemos nas pesquisas de opinião pública, bem como nos estudos sociológicos feitos por universidades e órgão do Poder Executivo, em todas as esferas governamentais dedicados ao desenvolvimento de pesquisas, sinalizarem este nosso tema como a necessidade última do cidadão brasileiro.
A corrupção imperando nos mais altos níveis da política e no governo, o tráfico de drogas, notadamente o crack, dominando as ruas e a nossa juventude, criam um cenário propício para o agravamento do clima de insegurança, desconfiança e afastamento do cidadão de bem aos órgãos que compõem os sistemas nacionais e estaduais da segurança pública.
Os índices estatísticos de crimes contra a vida nos estados brasileiros nunca foram tão elevados, crianças e adolescentes cada vez mais envolvidos com ações delitivas complexas. Mata-se com maior frequência e com a maior facilidade por motivos torpes. O cidadão acuado já não aguenta mais.
Somente com a afirmação do título deste texto, muitos devem estar se perguntando o “por quê” de o Brasil, possuir um sistema falido e antidemocrático.  Para que possamos provar esta nossa tese, sem nenhuma pretensão de ofender a pessoas e instituições, demonstraremos através de raciocínios lógicos, sem divagar, vigiando para não cair no erro de tentar expor ou traduzir ideias ou teses sobre modelos policiais civilistas ou militaristas, bem como paradigmas e conceitos dogmáticos enraizados nas variadas instituições deste atual sistema. Não é esse o nosso objetivo.
O primeiro raciocínio lógico é relativo à responsabilidade de fiscalização e policiamento das nossas fronteiras. O Brasil, a “América Portuguesa”, país de dimensões continentais, fazendo fronteira com 10 (dez) países, todos com idiomas diversos do nosso e sem problemas de natureza diplomática (com o maior litoral e sistema aeroportuário da América Latina), possui uma polícia, a Federal, com efetivo diminuto que não dá conta dessa missão altamente complexa. Nossas fronteiras continuam permeáveis, o tráfico de drogas e armas se intensifica em decorrência da superprodução do crack na Bolívia e o mercado brasileiro nunca foi tão visado e promissor quanto hoje.
Muitos reclamam a convocação e presença das Forças Armadas, para fazer frente a tal demanda, olvidando-se que suas missões constitucionais é o principal fator impeditivo, sem contar que as suas tropas não têm o preparo necessário. Neste presente momento, está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, projeto que concede poder de polícia às Forças Armadas, posteriormente será encaminha para a Câmara dos Deputados. Sem dúvida alguma, tais medidas, gerarão direcionamento de recursos e aumento de prestígio institucional para eles.
Por sua vez, a Polícia Federal, responsável pela missão de controlar nossas fronteiras, escolheu em torno de 22 (vinte e dois artigos) do Código Penal para pautar suas ações. No jargão policial, “só quer atuar no atacado”, o crime organizado, investigando apenas o tráfico com grande volume de drogas, armas, contrabando e o descaminho, possuindo todo o tempo que quiser e achar necessário para desenvolver estas investigações. Divulga apenas seus sucessos e esconde aquelas ações que não tem interesse, ou por insucesso ou por atendimento à vontade política, possibilitando a geração de credibilidade perante o público em geral, apenas com o que é divulgado pela mídia e observado por um único ângulo, aquele que quer mostrar.
Num segundo raciocínio lógico, possuímos também a mais complexa e maior rede de estradas da América Latina e da mesma forma que a primeira polícia, temos uma segunda, a Polícia Rodoviária Federal, também diminuta, com efetivo insuficiente para cumprir a sua missão constitucional, controlar essa grande malha rodoviária. Uma polícia ainda sem identidade, ora quer ser ostensiva, ora quer fazer investigação criminal, notadamente no que interfere diretamente em sua missão estabelecida na Carta Magna, sendo concorrente nas investigações de tráfico de drogas e armas e também no roubo de cargas, sempre conflitando com a primeira polícia, que a olha de cima para baixo não dando a credibilidade que merece. Seus salários não são tão bons quanto a primeira, mas também não são os piores em comparação com as demais, o que veremos a seguir.
No âmbito estadual, num terceiro raciocínio lógico, “atuando no varejo”, no combate ao crime desorganizado, temos duas polícias: a Civil e a Militar, geralmente mal remuneradas, fazendo com que muitos dos seus integrantes utilizem como filosofia de sobrevivência o jargão: “o governo finge que paga, a polícia finge que trabalha”. Com raríssimas exceções, encontramos um ou outro governo, que se empenha em dotá-las com os meios necessários para o cumprimento de suas missões constitucionais.
Tratam-se entre si de coirmãs, realmente devem ser, pois nunca vi irmãs para brigarem tanto na vida, os seus país, os governos estaduais, tentam esconder suas contendas escudados numa pseudointegração, já que a união é impossível perante a atual Constituição. Vivem sempre na desconfiança umas da outras, chegamos até a escutar que são “inimigas cordiais”, são corporativistas e capazes de acobertar criminosos existentes em ambas, só para não dar o gosto de evidenciar para a outra a existência de mazelas.
Nos seus convívios diários, surgem os conflitos de competências e brigam pelo ciclo completo de polícia. A que é investigativa e repressiva, quer também ter o privilégio, se realmente é um, de usar uniformes, ostentar distintivos, caracterizar veículos policiais e agir ostensivamente. A que é ostensiva e preventiva, se acha no direito de investigar, não se contenta apenas com o flagrante dado, quer chegar numa rede de transgressores a partir dele. Utiliza-se de uma rede de inteligência bem capilarizada, às vezes em desvio de finalidade, para realizar tal mister. Ambas as polícias, geralmente se utilizam de métodos não convencionais de persuasão para chegar à resolução de crimes praticados, às vezes beirando a ilegalidade, quando não são denunciados, os seus integrantes, pelos órgãos do Ministério Público, enquadrados no crime de tortura.  
A Polícia Civil diz que atua em cima das falhas de atuação da Polícia Militar, o que não deixa de ser uma verdade, mas se falha é porque não estava presentes, se não estava presente, foi por desídia ou o governo não deu os meios necessários. Quantos foram punidos por desídia nestes últimos dez anos?
Pelo simples fato de existir uma dicotomia entre as polícias estaduais, existe a rivalidade entre elas. Essa rivalidade é o gigantesco abismo que separa a continuidade e a integração dos serviços preventivos e repressivos. Em verdade não deveria haver a descontinuidade dos serviços, a responsabilidade de fazer um local seguro de convivência pertence a ambas as polícias, porém torna-se impossível sem a devida comunicação. Amizade, espírito de corpo, comprometimento, interesse comum no sucesso das ações por parte dos seus profissionais, principalmente aqueles que estão na ponta do sistema, executando o policiamento ostensivo e o velado ou investigativo, é a chave do sucesso em corporações de ciclo completo ao redor do mundo e o insucesso dos nossos serviços existe, porque existe esta desnecessária dicotomia.
A fraqueza deste atual sistema e os tentáculos do tráfico de drogas, ajudam a evidenciar a incompetência dos governos federal e estaduais em controlar esta e as outras modalidades de crimes, notadamente aqueles elencados no rol de crimes hediondos. O homicídio, o latrocínio, extorsão mediante sequestro, estão cada vez mais presentes no dia a dia do cidadão brasileiro que, vivendo neste caldeirão fervente de crimes, neste incompreensível mar de impunidades, implora por socorro.   
Daí continuamos a perguntar: de quem é a responsabilidade pela Segurança Pública no Brasil? A quem devemos recorrer, enquanto cidadãos?
Partindo do campo dos raciocínios lógicos, estes em que relatamos e que é visível sem que precisemos fazer muito esforço, passamos para os bastidores da política, onde imperam as vontades e interesses de manipulação de recursos públicos residentes nas diversas pastas do poder executivo.
Verificamos que muitos governos não têm interesse em divulgar seus números estatísticos, o aumento da criminalidade, certamente refletirá nos resultados das urnas. Muitos governantes realmente possuem a vontade de progresso, desenvolvimento e interesse no bem-estar do seu administrado, porém existem outros que não estão preocupados com o povo, só não querem perder o poder e a manipulação dos recursos públicos. Alguém já viu em algum lugar, um comparativo estatístico de criminalidade e violência, onde suas fontes foram os governos estaduais? Claro que não.
Como se pode medir a competência dos governos se eles omitem ou “maquiam” seus números estatísticos?
Ora, a logicidade nos dá o entendimento de que nenhum governante vai assinar um atestado de incompetência na sua gestão, para ele foi a melhor administração pública dos últimos anos, principalmente se conseguiu tirar o governo das mãos do seu principal adversário ou oponente político, isso é obvio. Escutamos tais afirmativas constantemente nos debates políticos e até comprovam a excelência de suas gestões, através de prêmios comprados, mesmo assim continuamos a admitir práticas desse tipo e o atual modelo de segurança pública nacional, comprovadamente ineficaz e arcaico.

Sobre Francisco Luiz da Fonseca Issa

Francisco Luiz da Fonseca Issa é tenente-coronel PM da PMBA, assistente militar adjunto da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia, bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador, pós-graduado em Gestão Administrativa em Segurança Pública pela Universidade do Estado da Bahia e Academia de Polícia Militar de Goiás e professor de Direitos Humanos da Academia de Polícia Civil da Bahia. Foi professor de Intervenção Policial da Academia Nacional de Segurança Pública de El Salvador – América Central e Consultor de Segurança Pública da Missão das Nações Unidas em El Salvador (Minusal) no período de 1995 – 1998.
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