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domingo, 2 de outubro de 2011

Eram os deuses magistrados?


Por
Antonio Jorge Ferreira Melo
29 de setembro de 2011 Colocado em: Com a palavra...
Quem, nos meios jurídicos, ainda não ouviu a assertiva de que os juízes pensam que são deuses e os desembargadores têm certeza? Pois bem, até pouco tempo, antes da providencial criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tal afirmativa era, de certa forma, a pura expressão da verdade, pois, os membros do Poder Judiciário sempre foram onipotentes.
Nesta onipotência, entre outras garantias, os magistrados só podiam ser fiscalizados e julgados pelos próprios membros da instituição. E isto é compreensível, pois deuses não precisam prestar contas a ninguém, pois, afinal, são deuses. 
Nessa lógica, o CNJ, criado para fazer o controle e garantir a transparência do trabalho dos magistrados, recentemente teve sua competência contestada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Alega a representação sindical dos magistrados que apenas as corregedorias dos tribunais estaduais deveriam estar à frente de casos de censura e de advertência e que punições, como aposentadorias compulsórias, disponibilidade e remoção, deveriam ser regulamentadas por uma lei e não por resolução do CNJ.
Sim, há muitos juízes e desembargadores que se julgam deuses, mas, felizmente, discordando dessa velha história de que há duas espécies de magistrados: os que pensam que são deuses e os que têm certeza, há os que ainda têm dúvidas e os que sabem que são humanos e, como tais, falíveis.
Dentre estes últimos, está uma baiana, a ministra Eliana Calmon, que, em entrevista à Associação Paulista de Jornais (APJ), criticando a posição da AMB, afirmou: “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.
Sempre temos argumentos para os dois lados de uma questão judicial. Mas, antes mesmo do mérito da questão levantada pela AMB ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as declarações da ministra sobre “bandidos que estão escondidos atrás da toga”, desencadearam uma crise sem precedentes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde, segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, o recurso da AMB tem o endosso velado de seus membros que são juízes de carreira.
“Data maxima venia”, as declarações da ministra, ao contrário do que entenderam seus colegas do CNJ e as lideranças da magistratura, não ofendem a honra dos juízes brasileiros, mas, pelo contrário, expõem, com crueza e sinceridade, a existência de uma minoria que compromete a autoridade de milhares de magistrados que diariamente se dedicam ao ofício de julgar com imparcialidade e honestidade, mesmo com o sacrifício da própria vida.
A afirmação da ministra parece-me ser óbvia, mas, não raro, o óbvio é esquecido. Pois, não é lógico pensar-se que, em um país onde a corrupção é endêmica, apenas o Poder Judiciário fosse composto por profissionais íntegros, abnegados e imparciais, verdadeiros bastiões da ética e da moralidade públicas.
Prefiro fazer eco às palavras da ministra e aos comentários que milhões de brasileiros fazem pelas ruas e praças deste país e, parodiando Voltaire, perguntar: por que, em um país onde não falta o que chorar quanto ao lado físico moral das coisas, apenas com relação à Senhora Justiça não haveria o que lamentar?
É falacioso objetar que a fiscalização externa da ação dos magistrados importaria na perda de sua independência de julgamento e do seu poder disciplinar interno, mas a atuação do CNJ, criado que foi pela Emenda Constitucional nº 45 como uma resposta à crise da Justiça, parece incomodar muita gente e não tenho dúvidas de que a retirada das suas atuais prerrogativas promoverá um grande retrocesso institucional.
Por fim: saudações a quem tem coragem! Agradeço à ministra Eliana Calmon por ter ousado dizer ao Estado brasileiro o que o Poder Judiciário precisava ouvir, pois como nos diz Gabriel, O Pensador, nos versos da canção intitulada Nunca Serão: “A injustiça é cega e a justiça enxerga bem, mas só quando convém”

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