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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Quem nos protege?

Autor: Jalba Segundo



A arte imita a vida. Devo admitir que, no caso do cinema, a imitação é tão realista que diversas vezes me faz chorar. Lógico que este choro é aquele choro discreto. (Não fica bem para um homem, policial, ficar se esvaindo em lágrimas). Mas, sentimentalismos à parte, um filme me fez refletir sobre esta minha condição de policial. Tudo por causa de duas cenas:

Cena 1:

Um policial está de folga, consertando a sua moto. De repente alguns disparos de arma de fogo são ouvidos. O policial pega a arma, sai correndo e se depara com o irmão, que estava indo visitá-lo, sangrando ao chão.

Cena 2:

Já no hospital, o Chefe de Polícia diz para um assessor. “Não há contenção de gastos. Mobilize todo policial que estiver de serviço. Mataram um membro da família de um policial de Los Angeles… Quer prioridade maior?”

***

Quando vi as reações do policial ao vir o irmão baleado, fiquei chocado. Mas quando deram a notícia do óbito… Pouco me importou as reações do Policial ou de qualquer outro. Eu reagi motivado por algo chamado empatia. Sobre empatia falarei mais adiante. Mas… minha reação foi me segurar, me segurar para não chorar. Percebi que apesar de policial… Sou de carne e osso.

***

Aquele tipo de informação, para mim, soava estranho. Principalmente a frase: “…Mataram um membro da família de um policial de Los Angeles… Quer prioridade maior?” Imediatamente fiz um Crtl + L (Localizar) em minha mente. Busquei, nos mais remotos arquivos de minha memória, alguma reação semelhante por parte de algum “chefe de polícia” com os quais já cruzei nesta minha jornada de 11 anos de polícia. Sabe qual foi o resultado da busca? Uma “tela azul”! Ou seja… Meu sistema travou. Nada encontrei! Em seguida surgiu imediatamente um questionamento: quem me protege?

Muito se fala na responsabilidade policial. O policial não pode ser rude, tem que manter o equilíbrio, deve agir sempre pautado nas leis e na moralidade. Sobre esta questão legal, levanto uma questão: se a lei respalda as ações policiais, se o Judiciário é que homologa e traz para a vida prática os efeitos da lei, mas se o Judiciário não tem condições de cumprir seus prazos, trazendo a tempo para a vida prática os efeitos das leis que respaldam as ações policiais, questiono: quem me protege?

Explicando melhor! Se estou por aí incomodando e até prendendo as pessoas que falham perante as leis, se as pessoas que eu prendo não permanecem presas, pois a ação que o Judiciário deveria fazer para dar respaldo e eficácia à minha prisão não será feita a tempo, quando elas forem soltas, elas ficarão com raiva do Judiciário ou de mim? (Não precisa responder!). Aí você pode pensar: “Mas quem é doido de mexer com a polícia?”. Eu também pensaria assim caso aquela minha busca não resultasse em uma “tela azul” (Lembra?). Mas a realidade é bem diferente do filme que eu assistia. Quando um parente de um policial morre, 8 dias depois ele vai trabalhar com a mesma obrigação de manter o equilíbrio. Sabe por quê? Porque a dor do policial tem prazo para acabar. Mas isso não seria tão ruim se o policial soubesse que sua dor é uma prioridade do “chefe de policia”. Mas não é! Assim como respaldar a tempo as ações policiais não tem sido uma prioridade do Judiciário. E aí? Quem me protege?

Lembra que eu ia falar sobre empatia? Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Quando eu segurei o choro ao assistir a tragédia familiar do policial na TV. Senti como se o irmão que tivesse morrido fosse o meu. Tentei ter empatia quando vi os nossos legisladores aumentarem seus próprios salários, quando afirmavam que não poderiam aumentar o meu pelo fato de terem que conter gastos. Não consegui!

Vou fazer outro exercício de empatia. Se eu te protejo, prendendo as pessoas que não cumprem as leis, se essas pessoas não ficam presas (pelos motivos citados acima), se essas pessoas põem em risco a minha segurança, se eu fico ocupado me protegendo porque ninguém me protege, quem vai te proteger? Fiquei com vontade de chorar outra vez!

Mas a vida imita a arte! Vamos premiar com um Oscar as UPPs, os projetos de policiamento integrados à cidadania, a PEC 300 (só se for a dos parlamentares!). Vamos fazer isso, mesmo sabendo que os atores deste filme estão desprotegidos e podem não atuar mais amanhã.

Que tal mudar a pergunta que insiste em me atormentar? A verdadeira questão é: quem nos protege? Dizem que o povo tem a Polícia que merece. Como também sou povo, começo a acreditar que é verdade.

*Jalba Segundo é tenente da Polícia Militar da Bahia.

Um comentário:

  1. Muito bem, me vi nesse texto. Fazem dois meses que fui sequestrado... quem me protegeu? Cadê os bandidos? O chefe da polícia me procurou pra saber se eu precisava de algo? A polícia tem serviço de inteligência?
    Me sinto orgulhoso de ser seu colega de turma Jalba.

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