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terça-feira, 12 de março de 2013

8 de Março de 2013: um devir policial militar na Bahia

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Hoje comemoramos mais uma vez o dia 8 de março em homenagem à histórica luta das mulheres por melhores condições de trabalho, por uma vida mais digna e sociedades mais justas e igualitárias. Apesar das divergências existentes sobre os verdadeiros fatos que deram origem ao 8 de março, até hoje considerados eivados de dubiedades e maquiados por muitos estudiosos da questão, tais controvérsias não desvalorizam o significado histórico que esta data adquiriu no caminho das mulheres em busca da sua libertação.

O dia 8 de março, portanto, é um dia de luta! E, nesse sentido, este ano, a data terá, com certeza, um significado especial para as policiais militares baianas, principalmente para os 27 Sargentos e 78 Soldados que formaram a primeira tropa policial militar feminina da Bahia, pois, após 22 anos, a promoção da Capitã ANA FAUSTA DE ASSIS ARAÚJO ao posto de Major do Quadro de Oficiais Bombeiros Militares da PMBA, abre as portas do oficialato superior para as mulheres da corporação.

Sem tirar o mérito das integrantes do quadro de saúde da Polícia Militar da Bahia que já galgaram ao oficialato superior, com meus preconceitos e estereótipos, faço minhas as palavras da Capitã PM Denice Santiago em uma rede social: “só quem sabe o que é ser oficial QOAPM, QOPM e QOBM entende nossa luta. A guerra é outra; a missão é outra; a luta por reconhecimento profissional ... é outra... ser uma major QOPM ou BM, é uma celebração maior, em especial em uma corporação misógina como a nossa”.

Entendo perfeitamente a fala da minha amiga e irmã de armas, pois, na cultura policial militar, as relações de poder estão atreladas à autoridade formal que se modifica quando os policiais e as policiais são promovidos. Assim, apesar de na Polícia Militar da Bahia, ao contrário de outras corporações onde existem diferenças de quadros e uma legislação específica para as mulheres, não haver discriminação legislativa e todos serem iguais perante a Lei, sou forçado a reconhecer, no que se refere à diferença da trajetória profissional das mulheres em relação a dos homens, que essa igualdade nem sempre se reflete no olhar de quem aplica a Lei.

Assim, a partir da célebre frase de Simone de Beauvoir em sua obra “O Segundo Sexo”: “On ne naît pas femme, on le devient” (“Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”), no que se refere às dificuldades criadas pela própria sociedade no que se refere a possibilidade de acesso das mulheres às funções tidas como eminentemente masculinas, como ressaltado por Angela Melo, em seu trabalho de conclusão do curso de Psicologia intitulado A NOVA FACE DE EVA: a constituição de mulheres em policiais militares na Bahia, também, poder-se-ia dizer que essas profissionais de segurança pública: "Não nascem mulheres nem policiais militares, tornam-se mulheres policiais militares”.

Nesse sentido, entendo que a questão levantada pela Capitã Denice Santiago é fundamental e crucial, visto denunciar o caráter eminentemente artificial da categoria “feminina” para o ser humano policial. Afinal, como alerta Angelamelo, se nenhuma instituição é uma ilha, pois a sociedade em que ela se insere a permeia e é permeada por ela, é óbvio que os estereótipos sociais do que representa ser homem e ser mulher estão refletidos nas instituições policiais militares, onde se reproduzem os mesmos padrões sociais estabelecidos para a mulher fora dela, através dos papéis que mantém as relações de dominação do masculino sobre o feminino, haja vista o masculino ser o sujeito do trabalho apresentado como universal.

Nessa lógica, para Angela Melo: a identidade dessas policiais militares baseada na diferença, passa por um processo de redefinição, ou seja, de reconstrução de uma nova face para Eva, que insiste em ser mãe, esposa, dona de casa, mas, também, policial militar.

Assim, não entendo como utópica ou petulante a pretensão da Capitã Denice de ocupar a cadeira mais alta do Quartel dos Aflitos, colocando a sua aflição pelas mudanças pelas quais luta num “devir”, na perspectiva de transformação que, podendo ser limitação, pode igualmente expandir-se para um gesto de libertação, pois “devir” é nunca imitar nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja de justiça ou verdade.

Com as minhas continências a todos os promovidos, no ensejo das comemorações de mais um 8 de março, saúdo, particularmente, a todas policiais militares baianas, em nome das Capitas PM Renata Stanchi e Bruna Telles e da Major BM Ana Fausta, pois, se, como nos ensina Deleuze: “ os devires não são fenômenos de imitação nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos”, faço votos de que, em termos de PMBA, estas sejam a do feminino com o masculino na gênese de uma nova corporação.

*Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PM-BA, professor e pesquisador do Progesp (Programa de Estudos, Pesquisas e Formação em Políticas e Gestão de Segurança Pública) da Ufba, da Academia de Polícia Militar e do Centro Universitário  Estácio da Bahia.

Um comentário:

  1. A polícia militar, planos de carreira, luta por direitos e deveres não se resumem apenas a classe de oficiais não coronel.

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